Como é preparada uma salsicha artesanal?

As salsichas estão presentes nos cardápios do mais variados lugares do mundo. Cada local usa um tempero diferente e combinação de carnes para fazer um produto delicioso e exclusivo. Elas podem ser defumadas e cozidas, frescas e maturadas ou secas. Existe uma certa confusão sobre as palavras salsichas e linguiças usadas no Brasil. Na verdade, essa diferenciação existe somente no nosso país. Em outros lugares o termo usado é salsicha, independente do produto ser emulsionado ou não.  


Mas o que é um produto emulsionado? Como sabemos do primário, a gordura não se mistura com água. A emulsão nada mais é do que pegar esses dois elementos, juntar com a proteína (carne) e transformar num elemento único, a emulsão cárnea. Para fazer isso é necessário um processador de alimentos poderoso que processa os elementos de forma muito rápida. No final do processo não é mais possível identificar os elementos separadamente. Basicamente essa é a diferença entre salsicha e linguiça. A salsicha geralmente é uma emulsão cárnea. Já a linguiça não. Mas isso não é uma regra fechada, visto que existem salsichas que não são emulsionadas. Por exemplo, estima-se que na Alemanha existem mais de 1200 tipos de salsichas. Boa parte desses produtos não são emulsionados e na prática são mais parecidos com linguiça.

Somente a título de curiosidade, seguem abaixo alguns tipos de salsichas produzidos em diversos países:

Andouille (França)

Está salsicha é feita com carne de porco e condimentos fortes, além de ser defumada. Nos Estados Unidos esta salsicha é frequentemente associada a culinária Cajun ou Crioula. Se come como prato principal ou junto com pão.

Bangers (Reino Unido)

Salsicha preparada com carne e quantidades variáveis de biscoito e cereais. Se come fresca ou pré-cozida.

Berliner-Style (Alemanha)

Feita com carne de porco curada moida grosseiramente. Temperada somente com açúcar e sal. Se come cozida. Defumada.

Schüblig (Suíça)

Feita com carne de porco, toucinho e temperos variados. No Brasil é chamada de salsicha Pinguim. Defumada.

Bratwurst (Alemanha)

Feita com carne de porco ou mistura de porco e vitela. Dentre os temperos usados, pode-se destacar a pimenta, sálvia e noz-moscada. Se come cozida ou fresca. Preparamos essa salsicha na Frankfurter Charcutaria. No nosso caso, usamos 100% de carne suína.

Chorizo (Espanha)

Salsicha de origem espanhola feita a partir de carne de boi. Defumada. Tem muitos condimentos. Geralmente o termo é usado para designar qualquer salsicha feita na Espanha. Se come fresca, cozida ou seca, como um salame.

Frankfurter (Alemanha)

Feita com carne de porco, geralmente o pernil, mas pode ser usar a copa também. Carne curada e levemente defumada. Os seguintes temperos são usados na sua fabricação: alho, noz-moscada, sal, páprica doce e pimenta preta. Em algumas receitas se coloca um pouco de gengibre. Preparamos essa salsicha na Frankfurter Charcutaria.

Kielbasa (Polônia)

Feita com carne de porco magra com um pouco de carne de boi. Altamente temperada com alho. Também conhecida como salsicha polonesa. Se come cozida.

Linguiça (Portugal)

Salsicha portuguesa feita a partir de carne de porco moída grosseiramente. Temperada com alho, colorau, cominho e canela. Antes do enchimento a salsicha é marinada num preparado a base de vinagre. É conhecida também como Longanzia. Se come crua ou cozida.

Salami (Itália)

Salsicha seca da Itália, com destaque ao sabor fermentado. Geralmente é feita com carne de boi e de porco. Temperada com alho, sal, pimenta e açúcar. Algumas salsichas são secas para atingir uns 30-40% de perda de humidade. Se come crua.

Viena (Áustria)

Uma versão similar a salsicha frankfurter alemã. Tem diâmetro menor e geralmente uma textura um pouco mais macia. O nome vem em homenagem a cidade austríaca e geralmente é chamada de “wiener”. Defumada. 

Weisswurst (Alemanha)

Significa “salsicha branca”. Feita de carne de vitela e carne de porco. Suavemente temperada. Deve ser consumida rapidamente, pois é muito perecível. Se come crua ou cozida.

Esses são apenas alguns exemplos. Existem muitos outros no mundo. No caso do Brasil, temos como exemplo a linguiça calabresa, feita com bastante pimenta e erva-doce e a famosa linguiça de Bragança Paulista.

Mas vamos em frente nos focando no tema principal do artigo, que é como preparar uma salsicha. No caso deste artigo, vou mostrar o processo de como é feita a salsicha Schüblig, mais condimentada e apimentada.

O primeiro passo é comprar um bom pedaço de carne de suíno, totalmente fresco e fazer a limpeza da peça, removendo nervuras e pelancas. Fazer o mesmo com o toucinho sem pele. Ele fará a vez da gordura na salsicha, que deve ser em torno de 30% do peso total. Colocar as carnes no freezer e quando estiver quase congelando, fazer a moagem das carnes, primeiro o toucinho, depois a carne. Pode-se passar 2 ou 3 vezes no moedor para deixar a carne bem moída. É importante destacar que a carne deve ser moída e não espremida. Portanto é essencial que o moedor esteva funcionando perfeitamente e que suas lâminas estejam afiadas. Depois de moer, refrigerar novamente a carne e deixar lá até misturar os temperos secos.


No caso dos temperos secos, a salsicha Schüblig deve ser preparada com as seguintes especiarias, geralmente secas e desidratadas. Em tempo, podemos usar especiarias frescas? Sim, podemos, mas devido a presença da água o produto se deteriora muito rápido. Por essa razão é preferível usar as especiarias secas e desidratadas. Seguindo, as seguintes especiarias são usadas nesta salsicha: sal, açúcar, alho, cebola, páprica doce, cominho, noz-moscada, pimenta chipotle defumada, pimenta calabresa e gengibre. Pode-se adicionar urucum em pó para o agregar uma cor mais vermelha ao produto, mas não é obrigatório. Além dessas especiarias, deve-se adicionar sal de cura 1, para proteger o alimento de bactérias, um antioxidante que pode ser vinagre e um facilitador de emulsão, que pode ser colágeno em pó, leite em pó ou farinha de arroz. 

Retirar a carne do refrigerador e misturar muito bem com os temperos secos.  Para fazer a mistura, pode-se usar um cutter (processador), uma batedeira tipo planetária, ou mesmo usar as próprias mãos para misturar. O importante é misturar bem para chegar na massa cárnea correta. O indicativo que tudo funcionou corretamente é a massa ficar pegajosa e grudenta. Se isso não ocorrer a emulsão quebrou e o produto não vai ficar perfeito.

Levar a massa a geladeira por pelo menos 12 horas, melhor 24 horas. No outro dia, retirar a massa da geladeira e fazer o embutimento usando tripa de suínos. Alguns charcuteiros usam tripa de carneiro no embutimento. Eu particularmente não gosto de trabalhar com essa tripa, pois são muito pequenas e de difícil manuseio. Para embutir é necessário uma embutidora manual. Alguns moedores tem a função embutir, mas não aconselho o uso. Melhor mesmo é usar a embutidora manual, para ter um melhor controle da saída da massa. É no momento do embutimento que se faz os gomos da salsicha, um a um. Aconselho o uso de barbante para separar bem os gomos. Também recomendo o uso de um "pricker", furador de embutidos, para retirar bolhas de ar de dentro do produto embutido.

Terminado o embutimento, levar as salsichas para o refrigerador por pelo menos 12 horas, melhor 24 horas. O ideal é pendurar cada salsicha no refrigerador para ter uma melhor circulação de ar gelado. Caso não seja possível, pode colocar as salsichas numa vasilha grande.

 

No outro dia, retirar as salsichas do refrigerador e fazer a defumação quente por aproximadamente 1 hora. A temperatura do defumador deve estar entre 70 e 90 graus. Mais que isso, o produto pode cozinhar demais e arruinar o processo de defumação.

Passado 1 hora, retirar as salsichas do defumador e finalizar o processo no "hotdog steamer", equipamento que faz o cozimento no vapor das salsichas. É muito importante deixar as salsichas dentro deste equipamento até que as mesmas atinjam a temperatura interna de pelo menos 72 graus. Costumo deixar um pouco mais para segurança. Nesta temperatura, o produto está pronto e seguro para ser consumido. Importante ter um termômetro para controlar a temperatura. Sem o equipamento, fica difícil saber quando a salsicha está pronta para ser retirada do equipamento.

Finalizado o cozimento, retirar o produto e colocar as salsichas numa vasilha com água bem gelada, para dar um choque térmico e cessar o cozimento. Este banho em água gelada também serve para deixar o produto mais bonito e não murchar. Sem o banho, o produto acaba murchando e fica com uma aparência feia. Deixar as salsichas na água gelada por uns 5 a 15 minutos. Depois remover e levar a geladeira para secar. O ideal é consumir o produto no outro dia, visto que alguns sabores vão se desenvolver na geladeira depois do cozimento.

No outro dia, embalar a vácuo as salsichas para ter uma durabilidade maior. Em média, nossos produtos duram até 14 dias na geladeira, embalados no vácuo ou 45 dias congelado.

Como sugestão de consumo, pode-se fazer as salsichas grelhadas com pimentão e cebola. Fica uma delícia. Bom apetite!!!!

Em resumo, fazer sua própria salsicha não tem preço. A qualidade é infinitamente maior e melhor que qualquer produto de mercado. Sabemos qual carne estamos usando, com a certeza que estamos usando uma carne de primeira. Também se utiliza as especiarias certas e não os preparados artificiais que facilitam o processo. O lado negativo, se é que existe algum, é que o processo é bem trabalhoso e leva tempo, portanto tem que ter paciência. Aliás, tudo na charcutaria artesanal deve ser feito com muita calma, paciência e parcimônia. Sem isso, os produtos podem ser arruinados muito facilmente. Para se ter uma ideia, está salsicha Schüblig demorou 4 dias para ficar pronta, da compra da carne até o armazenamento no vácuo. É absolutamente necessário controlar a temperatura das carnes e da massa durante todo processo. Se a massa passar dos 14 graus, tudo pode desandar. 

Te convido a fazer sua própria salsicha em sua casa. Caso tenha dúvidas, não exite em entrar em contato comigo para esclarecimentos do preparo, dos equipamentos certos, enfim de qualquer dúvida que possa surgir.

Muito obrigado pela leitura.


Marcelo
Charcuteiro e proprietário da Frankfurter Charcutaria

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